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Tiago Real e a realidade paralela do futebol saudita: salários milionários na quarta divisão


Um oásis para muitos atletas, a Arábia Saudita tenta transformar petróleo em futebol da melhor qualidade. Com a força de suas riquezas naturais, e um PIB de G20, o país espalha craques por seus estádios. Ainda escassos de torcedores, é verdade. Mas nada que muito dinheiro e bastante planejamento não possam resolver… Embora os olhares do mundo estejam voltados para a Saudi Premier League, a liga de Cristiano Ronaldo, Karim Benzema, Sadio Mané, Neymar e companhia, as divisões inferiores do país também possuem investimentos milionários. 

O ex-meia do Palmeiras, Tiago Real, é o nosso guia nessa história. Piá do Coxa, Tiago Real passou por equipes como Bahia, Vitória, Náutico, Goiás e Chapecoense. Quando jogava a Série B em Chapecó, recebeu uma ligação com DDI +966. Era a Arábia Saudita o chamando… 

“Eu estava jogando a Série B de 2022 na Chapecoense quando recebi uma proposta financeira vantajosa de um clube da segunda divisão daqui. Naquele mesmo ano de 2022, a Arábia começou a fazer investimentos mais altos, utilizar o futebol para que o país seja melhor visto pelo mundo, tanto economicamente, de turismo, cultural… Eles querem que o mundo enxergue a Arábia Saudita diferente. Fico feliz de participar disso, o mundo vai falar do futebol da Arábia Saudita, e eu estou vivenciando isso”, disse Tiago Real. 

qTêm clubes na segunda divisão, terceira divisão e tem dois clubes na quarta divisão fazendo investimentos altíssimos, na casa de milhão por mês

Tiago Real

Da ótica de Tiago Real, vamos buscar entender os atletas que, seja em que divisão for, optam por jogar na Arábia Saudita (ou em contextos competitivos similares). Qualidade de vida, segurança, muito dinheiro e um calendário mais enxuto são alguns dos pontos destacados pelo meia. 

“Por mais que eu tenha um currículo muito bom, tem várias coisas que eu tenho aqui, que eu não tenho no Brasil. Primeira coisa é qualidade de vida e segurança. Coisas que a gente, infelizmente, não tem no nosso país, ou tem muito pouco. Isso como sociedade, e podemos ampliar isso para o atleta em si. O atleta no Brasil é muito exposto. Haja visto o que aconteceu com a delegação do Fortaleza, que sofreu um atentado. Não é algo que aconteceu só agora. Eu já tive situações parecidas, às vezes até piores, e pouco se fala sobre isso”, começou por explicar.

“A segunda, se trata de uma questão financeira, obviamente. A gente não pode ser hipócrita. A gente faz os contratos em dólar. Mesmo sendo uma terceira divisão aqui, acaba sendo mais vantajoso do que eu teria no Brasil. A terceira questão é de carreira. O Brasil tem uma quantidade exacerbada de jogos. Você fica muito pouco tempo em casa, você viaja muito, tem um desgaste maior. Para um jogador da minha idade, de 35 anos, isso vai te limitando para a continuação da tua carreira. Aqui, consigo jogar uma vez por semana, tenho tempo para recuperar, de um jogo para o outro. Consigo ter mais qualidade de vida com a família, aproveitar com a minha família”, completou. 

Tiago Real jogou, inicialmente, pelo Hajer Club, na segunda divisão saudita. Na atual temporada, desceu um degrau para o Al Jubail, na terceira divisão. Conquistou o acesso no último fim de semana. Tiago tenta explicar que o que para muitos é considerado um passo atrás na carreira pode significar alguns milhões a mais na conta bancária. 

“Aqui (nas divisões inferiores), tem jogador do mundo inteiro. Destaco alguns brasileiros… A gente tem o Muralha, que está aqui acho que no quarto, quinto ano, ex-jogador do Flamengo. Está aqui no Arabi, que está lutando para subir para a Premier League. O Jobson, volante ex-Santos, no Arabi. O Vietto, número 10 do último Mundial que o Al Hilal disputou, e saiu do Al Hilal e veio para o Al-Qadisiyah, brigando para subir para a Premier League. Tem o Carrillo, no Al-Qadisiyah. Enfim, são vários jogadores famosos. Não tem muito a lógica de divisões. Às vezes, o atleta recebe uma proposta muito boa, independente da divisão. Vou dar um exemplo: tem um africano, que tem tido destaque na segunda divisão aqui há muitos anos, chamam ele de Pato. Ele saiu da segunda divisão e foi para um clube da quarta divisão para ganhar um milhão e meio por mês (de dólares!). É uma coisa um pouco louca de se entender, mas é o que acontece. O cara sai de uma segunda divisão para ir para quarta ganhando um salário astronômico”, explicou. 

A lógica do investimento no futebol saudita tem muito mais a ver com as relações políticas e a importância da cidade do que, de fato, com a meritocracia esportiva. O dinheiro está onde o governo acha que é necessário para transmitir uma imagem de força, estabilidade e prosperidade ao redor do mundo. 

“Têm clubes na segunda divisão, terceira divisão e tem dois clubes na quarta divisão fazendo investimentos altíssimos, na casa de milhão por mês (de dólares) para atleta. É uma coisa meio surreal, mas é o que acontece aqui. Porque depende da cidade, da província que você está. Se é uma cidade que é bem-vista pelo governo local, o governo coloca dinheiro para fazer com que o clube cresça, consequentemente contrata atletas com contratos melhores. Então não tem muita lógica de primeira, segunda, terceira divisão”.

O clube de Tiago Real é um bom exemplo disso. O brasileiro atua no Al Jubail, que tem sede na cidade de mesmo nome que é referência na área de petróleo e, por tanto, tem uma importância vital para o país.

@Divulgao/Al Jubail

“Pela cidade, em si, por ser uma cidade importante para o país, a gente vê uma movimentação para que o clube possa estar na Premier League nos próximos anos”. 

Se já conseguiu atrair e “comprar” bons jogadores, o futebol saudita, ainda, trabalha para adquirir a qualidade. Principalmente em se tratando de jogadores locais. As categorias de base dos clubes não conseguem acompanhar a chegada de craques internacionais no país.

“A questão da formação dos jogadores daqui é bem precária. É uma formação totalmente diferente do que a gente tem no Brasil. O jogador local vai amadurecer muito mais tarde. No Brasil, na Europa, a gente vê jogadores de 16, 17 anos no profissional. Aqui, não tem a mínima condição. Eles vão amadurecer mais tarde, mas por causa da formação. A formação técnica é ruim, os treinadores de base, praticamente inexistentes. Estruturas de base são muito abaixo do Brasil. Hoje, a Premier League libera nove, dez estrangeiros para jogar, porque são poucos locais com condições de jogar uma Premier League. Eu vejo alguns movimentos de alguns clubes contratando comissão estrangeira para formar melhor os jogadores. Mas isso é um processo de médio, longo prazo. Como a formação ela é precária, obviamente o nível técnico não é bom. O que faz eles evoluírem, é o contato com os estrangeiros. Essa é a maneira que eles acharam de fazer com que as ligas evoluam tecnicamente. Na segunda divisão hoje, são sete estrangeiros, a terceira cinco, ano que vem serão seis… É a maneira que eles enxergam de fortalecer a liga e, também, fazer o jogador local evoluir”, analisou Tiago Real. 

O brasileiro cita evolução estrutural nas equipes, “principalmente na região de Riad”, e acredita que, no futuro, o futebol saudita poderá se equiparar a ligas de topo na Europa e na América do Sul. O plano de desenvolvimento do esporte, para além do gasto astronômico com reforços e, mais além, com estrutura, promete, também, “criar” novos fãs. 

Na Premier League, já é possível notar uma torcida mais assídua nos jogos. Tiago Real explica que a condição climática, e a própria falta de cultura futebolística por lá, acabam afastando um pouco os torcedores dos estádios. Algo que deve mudar com o passar dos anos. 

“No verão, é muito quente, muita gente não quer sair do ar condicionado, então não vai para os estádios. É uma realidade. Eles preferem sentar no bar, ver jogo no ar, num telão, do que ir no estádio. Eles estão tentando mudar isso, fazer com que as pessoas gostem de participar mais nos estádios. É um processo, eles começaram há dois anos. Até a Copa de 2034, eles querem estádios mais lotados”, contou o brasileiro.

Recém-promovido para a segunda divisão, Tiago Real espera, um dia, chegar na Premier League. Mas hoje, mesmo na terceira divisão, vive em uma realidade paralela, onde um salário de um milhão de dólares para um jogador é natural. Tal cifra poderia sustentar a folha mensal de grande parte da pirâmide do futebol brasileiro, incluindo equipes de Série A. 



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