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O pioneiro nordestino, o algoz e a América



Luz aos esquecidos, onde aqueles andarilhos do futebol vo parar. Onde as traves esto desalinhadas e o campo mal demarcado. Onde os cachorros invadem o gramado e o VAR no foi convidado. Onde?

O Fortaleza não é o primeiro clube nordestino em uma final sul-americana. O feito pertence ao CSA, mas essa história provavelmente você já ouviu falar repetidamente desde que os cearenses chegaram na decisão. O que talvez ninguém tenha contado é como a Copa Conmebol, um dia segundo principal torneio de clubes da América do Sul, chegou ao ponto de ter dois representantes da Série C, um da Série B e um da Série A. E como essa história é contada do lado dos vencedores.

Antes de entender o final da história, é preciso recapitular: quando tudo começou? O ano era 1992 e a Conmebol decidiu se inspirar na Uefa e criar um segundo escalão para seus torneios continentais. À época já existiam duas competições, a Libertadores e a Supercopa, mas essa supercopa não preenchia o espaço vazio para o segundo escalão, afinal se existe uma definição de elitismo baseado numa falsa meritocracia era esse torneio. A Supercopa convidava apenas e somente campeões da Libertadores, todos eles, independente do título ter sido conquistado 20 anos antes e do nível do clube naquele momento.

A Copa Conmebol, portanto, surgiu como o que na Europa se conhecia como Copa da Uefa, o que hoje é a Liga Europa. Numa época com contexto diferente, sem pré-Libertadores e menos vagas por países, o conceito era bastante básico: duas vagas nacionais por país para a Libertadores, o restante para a Conmebol. E assim surgiu o torneio, que no primeiro ano viu o Atlético Mineiro como campeão, depois Botafogo, São Paulo, Rosário Central, Lanús, Atlético Mineiro, Santos e… Talleres?! É aí que a coisa começou a ficar estranha.

“A última edição da Conmebol foi muito desvalorizada a nível de interesse. O anúncio de que a copa de 1999 seria a última a ser disputada tirou o atrativo dos clubes tradicionais. Na Argentina, foi difícil encontrar quem quisesse participar diante desse cenário. O Talleres, recém-promovido para a primeira divisão, se ofereceu para jogar. A visão da diretoria era clara: nunca haviam jogado um torneio internacional oficial e aproveitaram essa circunstância. O outro rival da cidade, Belgrano, em condições idênticas, também analisou se oferecer, mas preferiu não disputar. A federação argentina, a princípio, recusou a participação do Talleres, porque preferia clubes de um nível maior, mas diante dessa impossibilidade de conseguir um substituto acabou aceitando a oferta do Talleres”, conta o jornalista argentino e pesquisador argentino Gustavo Farías. 

O Talleres estava para a Argentina como o CSA estava para o Brasil. Se os argentinos chegaram como “intrusões”, aquele colega excluído que se auto convida para todas as festas, os pioneiros alagoanos foram chamados depois do organizador perceber que faltariam pessoas para comer o bolo. A vaga do CSA foi via Copa do Nordeste, mas conquistada somente depois de Vitória (campeão), Bahia (vice) e Sport (semifinalista) recusarem. O CSA também era semifinalista, mas um clube de terceira divisão, diferente do Sport, que disputava o Brasileirão.

A última edição da Copa Conmebol, portanto, teve a seguinte configuração: São Raimundo do Amazonas (Série C), Vila Nova (Série B), Paraná (Série A). A Argentina enviou somente mais um representante, talvez o mais tradicional entre todos do torneio, o Rosario Central, mas que caiu logo na primeira eliminatória contra o Deportes Concepción (Chile). Nenhuma equipe uruguaia disputou o torneio por falta de interesse.

Em meio a esse contexto caótico, CSA e Talleres foram avançando na Copa Conmebol de 1999. Os alagoanos derrubaram pelo caminho Vila Nova, Estudiantes de Mérida (Venezuela) e São Raimundo. Os argentinos passaram por Independiente Petrolero (Bolívia), Paraná e Deportes Concepción.

“Talleres, assim como o Belgrano, são os dois grandes clubes da cidade de Córdoba. Seu poder de mobilização da torcida é imenso e, naquela oportunidade, houve uma enorme expectativa pela conquista. Apesar disso, como a final foi em um dia de semana e no jogo de ida o time perdeu por 4 a 2, o estádio não ficou lotado. Também não existia muita confiança de que fosse possível reverter o placar adverso e isso conspirou contra uma presença maior da torcida. Logo no início do jogo, CSA ficou com um jogador a menos e isso facilitou muito para o Talleres, ainda assim a decisão foi emocionante, no minuto final, quando já terminava o confronto”, relembra Farías, que esteve presente naquela partida há 24 anos.

“O Talleres dá um significado enrome para a conquista da Copa Conmebol. Presume ser o único da cidade a ter conquistado um título internacional da Conmebol, sem se importar com o nível baixo daquela edição. Particularmente, a modo pessoal, acredito que o Talleres teve conquistas maiores que a Conmebol, mas sem o mesmo glamour”, opina o jornalista.

O conceito de luxo, ou glamour, só existe porque presume a exclusão. É o efeito de fazer o indivíduo se sentir especial pela posse de algo que não está ao alcance de todos, mesmo que isso signifique roupas rasgadas de alguma grife com pronúncia difícil em francês. A última Copa Conmebol foi quase uma dessas roupas estranhas de desfile, com a diferença que estavam todas na promoção. Para a história, o pioneiro ficará sempre como o CSA, independente das circunstâncias ou contextos. Para o Fortaleza e para a América, não restam dúvidas que o valor inestimável da Copa Sul-Americana é diferente de seu combalido torneio precedente.



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