Luz aos esquecidos, onde aqueles andarilhos do futebol vo parar. Onde as traves esto desalinhadas e o campo mal demarcado. Onde os cachorros invadem o gramado e o VAR no foi convidado. Onde?
O ano era 1981. O Porto tinha conquistado sete Ligas Portuguesas e nunca havia vencido um torneio internacional. A distância para o maior rival Benfica era um abismo, 23 títulos portugueses e duas Ligas dos Campeões, para ser mais preciso. Até o Sporting, hoje terceira força, tinha uma galeria de títulos maior (15 vezes campeão nacional). Um nome mudou tudo isso e transformou o Porto na maior potência de Portugal das últimas décadas, queiram ou não queiram os rivais. O seu nome é Pinto da Costa e seu reinado terminou neste sábado, 27 de abril de 2024.
É estranho (muito estranho) para alguém compreender que a maior figura de um clube de futebol é um dirigente. Os ídolos normalmente estão dentro de campo, marcam gols, fazem defesas no último minuto, usam a braçadeira de capitão, ou usam a camisa como um estandarte por centenas (e até milhares) de jogos. Se muito, os ídolos estão ali na beira do gramado, gritando e fazendo orientações: são técnicos. Mas estão nunca de terno e gravata, com a caneta e o poder persuasivo como maiores valências. Mas no Porto é assim, e ninguém tem dúvidas.
Pinto da Costa, um senhor hoje de 86 anos, tinha seus 40 e poucos anos quando assumiu o Porto. Portista (torcedor) e portuense (nascido na cidade), ele trabalhava num banco, quando decidiu transformar seu clube e sua cidade em um sinônimo indissociável de sucesso e resistência. “O Porto odeia a capital”, lê-se nas escadarias que dão acesso ao Estádio do Dragão, onde também está um enorme grafite com a imagem de… Pinto da Costa.
Neste sábado, o já histórico 27 de abril, Pinto da Costa perdeu as eleições numa bonita festa da democracia no futebol. Quase 27 mil torcedores do Porto fizeram filas e mais filas no Estádio do Dragão. O dia de votação foi para presidente, como se fosse mesmo para presidente de um país. Com código, regras e zona eleitoral. O telão do estádio avisava:
“O que precisa para votar?
Cartão de sócio (físico ou app FC Porto)
Documento de Identificação (Físico ou digital) legalmente válido: cartão de cidadão, bilhete de identidade, passaporte ou carta de condução”
Nas televisões, na internet, nas ruas, a conversa do 27 de abril no Porto era só uma: será que o Pinto da Costa segue ou sai? Sai com 23 títulos portugueses conquistados, o maior campeão português desde que assumiu a presidência do clube. Sai como bicampeão da Liga dos Campeões, o único português que venceu a competição na “Era Moderna”. Sai como o cartola que desbravou mercados, que transformou brasileiros como ídolos: de Jardel a Hulk, de Helton a Pepe (naturalizado português).
Quem assume o Porto é André Villas-Boas, aquele mesmo que você deve estar pensando, ex-treinador. Villas-Boas treinou o Porto em um único ano, mas foi mágico. Ganhou a Liga Portuguesa e a Liga Europa, claro, com Pinto da Costa como seu presidente. Villas-Boas saiu para voos internacionais, passou por Chelsea, Tottenham, Zenit, Shanghai SIPG e Olympique de Marseille. Nunca escondeu o desejo de voltar. Recusou inúmeros convites para ser treinador para se dedicar na campanha para a presidência.
Aos 46 anos, Villas-Boas assume o Porto com idade próxima daquele Pinto da Costa, e agora tem o desafio de suceder não apenas o presidente há mais tempo no poder no mundo do futebol, mas talvez um dos maiores presidentes (ou o maior) da história de um clube.
Dia de jogo do Porto, no estádio do Dragão? Errado. É dia de votação para a presidência do clube.
André Villas-Boas, aquele treinador, concorre com Pinto da Costa, o dirigente há mais anos no poder no futebol mundial: 42 anos.
Existe alguma votação assim no Brasil? pic.twitter.com/1pGXsJbI7L
— Paulo Mangerotti (@pfmangerotti) April 27, 2024